Uma viagem por referências culturais presentes, herdadas da família, memórias de todos e sensibilização sobre a coletividade. Estes são alguns dos objetivos da Prefeitura de Manaus, por meio do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), na promoção das aulas-oficinas do Programa Integrado de Educação Patrimonial (Piep), realizadas na base do Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico (PGPA) da área das futuras instalações do parque Encontro das Águas – Rosa Almeida.
Nesta sexta, 8/11, das 8h30 às 11h, haverá uma nova aula, no auditório do hospital Geraldo da Rocha, com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), na praça Tancredo Neves, s/nº, no bairro Colônia Antônio Aleixo, zona Leste. As atividades são uma etapa do PGPA no parque, que tem um trecho do sítio Daisaku Ikeda, promovendo o envolvimento da comunidade com suas próprias referências culturais atuais e herdadas das famílias.
Os trabalhos consideram a participação social e realçam o pertencimento, ressignificando a valorização do patrimônio cultural do entorno da comunidade. Nesta quarta-feira, 6/11, durante mais uma atividade, envolvendo estudantes da rede pública e idosos, 170 pessoas participaram do encontro, montando, inclusive, o “Mapa colaborativo: a memória de todos nós”, contando ainda com a mostra de material do sítio arqueológico Daisaku Ikeda. O mapa plotado serviu para o apontamento de referências dos comunitários e de suas experiências de vida.
Durante a aula-oficina, os participantes têm acesso a uma exposição física contendo fragmentos cerâmicos e lítico (artefatos em rochas), com as peças montadas em nichos, representando um laboratório de arqueologia. Um microscópio possibilita que os presentes observem com detalhes a composição da cerâmica, desenhos arqueológicos e material para análise. Todo o material selecionado é exposto em caixas de madeira revestidas com espuma e com tampo em acrílico para proteção dos artefatos.
Para a arqueóloga e educadora patrimonial Angélica Moreira, é importante pensar em sítios arqueológicos não apenas como reserva técnica e dentro de museus.
“O museu é importantíssimo, mas a comunidade precisa ter conhecimento do que é que ela tem de bem cultural no local onde vive. A gente não preserva só pelo objeto, se preserva pelo cidadão, pelas pessoas que estão no lugar. E trazer este material, localizado em escavação, ajuda a fazer a conexão com a história dos habitantes atuais e anteriores. E isso sensibiliza, ajuda nos processos de preservação e de requerimento do que é da gente, do que é do lugar”, explicou Angélica.
Antes de ser um patrimônio nacional, o material encontrado no sítio é patrimônio da comunidade que vive na região.
Participando da aula-oficina, o professor e historiador Kleber Moura falou sobre a importância deste trabalho, de trazer à luz o conhecimento para os alunos do ensino médio e a riqueza de uma trajetória arqueológica até então desconhecida. “Tendo em vista que moramos numa área cercada de sítios arqueológicos, trazer este conhecimento para os alunos é mostrar a importância da preservação da nossa história e da nossa cultura a partir dos achados”, disse.
Comunidade
Moradora do bairro, Valdenora da Cruz Rodrigues chegou no Colônia Antônio Aleixo nos anos de 1960, aos 6 anos de idade, e traz na memória imagens das casas, dos pavilhões do hospital, das atividades com as freiras e da constante luta de uma população contra o preconceito, até o momento da desativação da colônia de hansenianos. Ela está à frente da causa da Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase e criadora/defensora da regulamentação da Lei Projeto Filhos Separados (desde 2023).
“O Colônia Antônio Aleixo já é um bairro histórico e eu sempre digo que com todas as histórias daqui, ainda temos muito a fazer com essa memória viva, incluindo a preservação do antigo hospital Colônia. Como moradora, sempre busquei dar visibilidade e importância deste patrimônio para a sociedade. Mas foi a partir dos sítios arqueológicos que nossos filhos, netos e jovens tomaram conhecimento dessa riqueza. Riqueza que será ainda mais valorizada com um projeto como o parque Encontro das Águas e que os comunitários estão sendo integrados pelo processo e pelos órgãos competentes, tomando conhecimento dos estudos e impactos”, relatou Valdenora.
Educadora patrimonial e arqueóloga, Carla Pequini comentou sobre a exposição inédita montada com os materiais arqueológicos encontrados no sítio, exibida para os estudantes e grupo da terceira idade.
“Os participantes montaram o mapa colaborativo, com fotos, inscrições de lugares que sempre tiveram como ponto de relevância, da memória recebida de pais e familiares, e participaram de atividade de um laboratório arqueológico, simulando atividades como a análise microscópica de cerâmica. Foi bastante lúdico e interativo, além de manusearem as réplicas arqueológicas. Notamos que a atividade teve bastante adesão da comunidade, de forma contundente e proveitosa”, destacou Carla.
Participação
Comunidade, convidados, estudantes e público em geral interessado podem participar da atividade, gratuita, que faz parte do processo de licenciamento do parque, feito pelo Implurb, consistindo no PGPA, atendendo instrução normativa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Amazonas.
O sítio escavado, ele vem se apresentando como multicomponencial, ou seja, com mais de uma ocupação pré-colonial, conforme já tinha sido observado na primeira etapa da pesquisa. Apresenta também a terra preta indígena, que é um solo antrópico, cuja datação pode alcançar até dois mil anos atrás. Para além da terra preta, há a presença de material cerâmico que apresenta decoração que pode ser associada à fase Açutuba.
Isso coloca Manaus com a mesma cronologia identificada na costa do Açutuba, em Iranduba, pelo Projeto Amazônia Central (PAC), coordenado pelo professor Eduardo Neves. Logo, a cronologia para a referida fase é de 300 antes de Cristo até 400 anos depois de Cristo. A confirmação da datação será feita em análise de laboratório.
Obra
Para o licenciamento do parque Encontro das Águas – Rosa Almeida, o Implurb apresentou o projeto arquitetônico junto ao Iphan-AM, que exigiu uma primeira etapa de estudos arqueológicos. Nessa fase, o projeto foi deferido e se constatou que se tratava de um sítio arqueológico, uma extensão do Daisaku Ikeda, com terra preta indígena, material cerâmico e material lítico, que são as ferramentas feitas de pedra. A segunda etapa consiste no PGPA, que inclui o resgate arqueológico.
A obra continua com o acompanhamento de equipe de arqueologia. O Iphan é quem expede as anuências às licenças ambientais, de acordo com as pesquisas de arqueologia normatizadas nos documentos legais e infralegais de proteção do patrimônio arqueológico brasileiro.