Mães e pais que se cobram para serem irrepreensíveis e exigem dos filhos qualidades idealizadas correm o risco de esgotamento, ao mesmo tempo em que prejudicam a saúde mental das crianças e dos jovens
Criar um filho exige disposição, paciência e respeito, mas querer ser o pai ou a mãe irrepreensível da criança ideal torna esse processo mais complicado. Cientistas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, e do Gabinete do Diretor de Bem-Estar da instituição, dizem não à ideia de perfeição na parentalidade. Um novo estudo, publicado nesta quarta-feira (8/5), pela equipe, revela que a pressão para alcançar o padrão leva à sobrecarga dos responsáveis e a problemas psicológicos nos jovens.
Os resultados da pesquisa realizada com mais de 700 pais foram apresentados no relatório intitulado O poder da parentalidade positiva: evidências para promover o bem-estar de pais e filhos. Os dados revelaram que 57% dos responsáveis se sentiam esgotados. Para os pesquisadores, o cansaço está fortemente ligado a expectativas internas e externas, incluindo a autoavaliação, a percepção do julgamento alheio, o tempo dedicado a brincar com as crianças, a qualidade do relacionamento conjugal e a manutenção da limpeza do lar.
Taxas mais altas de cansaço e comportamentos rígidos foram relacionados a mais problemas psicológicos em crianças. Kate Gawlik, coautora do estudo e mãe de quatro filhos, compartilhou, em nota, sua perspectiva sobre a ilusão e as expectativas de uma “paternidade perfeita”. “Acredito que as redes sociais desequilibraram bastante as coisas. Quando você observa pessoas no Instagram ou mesmo no dia a dia, sempre se pergunta como elas conseguem, como parecem sempre ter tudo sob controle”, disse. “Temos grandes expectativas em relação a nós mesmos como pais e também em relação ao que nossos filhos deveriam alcançar. Assim, acabamos nos comparando constantemente com outras pessoas e outras famílias, o que acaba gerando muitos julgamentos, conscientes ou não.”
Tempo de qualidade
O artigo também aponta que quanto mais tempo os pais passam brincando com seus filhos e quanto menos sobrecarregados estão com atividades extracurriculares, menor é a incidência de problemas de saúde mental nas crianças. O grupo avaliou questões como ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de deficit de atenção e hiperatividade, e transtorno bipolar.
A saúde mental e os comportamentos dos responsáveis também têm um impacto significativo no psicológico dos filhos. Quando as crianças enfrentam problemas mentais, os pais tendem a relatar um nível mais alto de esgotamento e uma maior propensão a adotar práticas severas, como insultar, criticar, gritar, xingar ou recorrer à punição física.
Roseana Ribeiro, psicóloga especialista em comportamento, no Rio de Janeiro, afirma que ser perfeito significa estar enquadrado, sem perspectiva de evolução ou mudança. “Precisamos aceitar que nossos filhos nascem para ser o que ensinamos a valorizar. Se os pais falam de um modo e agem de outro, toda a suposta educação cai por terra. Pais que exigem a perfeição não querem seus filhos satisfeitos com a vida. Querem seus filhos voltados para o mundo e preenchendo um ego vazio, sem desejos e emoção.”
Paulo Gomes, psicólogo clínico, em Brasília, ressalta que falhar como pai ou mãe é inevitável. “Isso dá a chance de mostrar aos filhos que eles também vão errar e passar por situações complicadas, não tem problema nenhum nisso. Às vezes, o adolescente ou o jovem tem uma ideia e fica com receio de tentar porque os pais cobram eficiência que ele ainda não tem, pois querem atender essa expectativa da sociedade, trazendo uma sensação de insuficiência a esse jovem e o desequilíbrio da saúde mental.”
Ciclo
Conforme Bernadette Melnyk, vice-presidente de promoção da saúde e diretora de bem-estar da Ohio State, quando os pais estão esgotados, sofrem mais com depressão, ansiedade e estresse, e isso também afeta o comportamento e o emocional de seus filhos. “Portanto, é crucial que os pais reconheçam sua própria situação se estiverem enfrentando esgotamento parental e ajam para cuidar melhor de si.”
Melnyk esclarece que a educação positiva envolve oferecer muito amor e carinho aos filhos, ao mesmo tempo em que se fornece estrutura e aconselhamento para a vida dos pais. “Trata-se de orientá-los gentilmente sobre as consequências de seus comportamentos. Portanto, esse é um objetivo muito mais alcançável do que a busca pela perfeição como pai.”
Tanize Viçosa Cardoso, psicóloga clínica e escolar e educacional do Programa Ouvir e Acolher, da Secretaria de Educação de Goiás, frisa que no Brasil a realidade parental é diferente, em muitos aspectos. “Há vulnerabilidades sociais que afetam a percepção do papel dos pais e responsáveis. Essa função muda conforme a classe social, e isso é muito nítido para mim como psicóloga escolar da rede pública.”
Segundo a especialista, a família afeta muito mais os filhos do que imagina. “É com os pais que aprendemos a nos relacionar com o mundo. É ali que aprendemos mecanismos de defesa, confortos. Pais com problemas de autoestima, quando não conscientes, podem repassar esses problemas para seus filhos e torná-los responsáveis por sentimentos que não lhes pertencem. Pais conscientes de seus defeitos e limitações tendem a ser mais razoáveis.”
Estratégias recomendadas
1. Ajudar os pais a entenderem que é impossível serem perfeitos e que é natural cometer erros ao longo do caminho.
2. Incentivar que reconheçam seus pensamentos autocríticos e padrões de comportamento prejudiciais.
3. Trabalhar o autocuidado por meio da priorização do seu próprio bem-estar emocional e físico, ressaltando como o autocuidado é essencial para serem mais presentes e equilibrados.
4. Reforçar a importância da construção de um relacionamento saudável e afetivo com os filhos, baseado na aceitação, empatia e amor, celebrando pequenas vitórias ou valorizando a conexão emocional.
Fonte: Juliana Gebrim, psicóloga pela Universidade de Brasília e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf).
Palavra de especialista // Apoio escasso
“Para mim, a principal dificuldade é a falta de uma rede de suporte para adultos, crianças e adolescentes. Nos centros urbanos tem sido cada vez mais comum a individualização das tarefas de cuidado, criação e educação desses jovens. Essa questão toma, no mínimo, duas formas. A primeira é tornar única e exclusiva dos pais a obrigação de desenvolverem essas atividades com os filhos. Dentro dessa relação, surge outra forma, a sobrecarga feminina em relação aos cuidados com as crianças e com a casa. Quando observamos esse nível de sobrecarga, de isolamento e de individualização das atividades de cuidado parental fica possível ver o burnout parental, esses pais, e principalmente as mães, estão esgotados. Pessoas nesse estado terão dificuldade na aplicação de estratégias gentis de parentalidade, ou de educação positiva.”
Izabella Melo, professora de psicologia do Centro Universitário de Brasília (Ceub)